Por: Joás Benedito e Vitor
Chaplin
Há quem
diga que o termo “bamba” significa pessoas legais e competentes naquilo que
fazem. Outros alegam que o significado é relacionado à pessoa que entende, vive
e respira o samba ou uma roda que reúne os melhores sambistas. Isto é,
compositores, instrumentistas e intérpretes veteranos que agradam sem distinção
de idade ou classe social. Independentemente dos termos que são usados para essa
definição, sabe-se que os gêneros musicais, no modo geral, sempre irão se
preocupar em divulgar os elementos e as realidades locais vivenciadas pelo
povo.
Dificilmente você vai encontrar
documentos que comprovem alguma ligação concreta do gênero samba com Estado. Há
relatos que apontam para o samba de raiz praticado nos terreiros, fazendo uma
junção do coco pernambucano com a chula baiana – uma vertente do samba de roda –
que misturou elementos vindos da Europa. Acredita-se que o seu formato
característico, nos dias de hoje, se deve às comunidades baianas que habitavam
no Rio de Janeiro.
Com relação à dança, segundo o
sambista Paulo Perdigão, antigamente, nos salões se praticava a chula misturada
com o maxixe – conhecida também como tango brasileiro – que originou um tipo de
dança chamada “puladinho”. Hoje muitos utilizam esse gênero no samba de
gafieira. Partindo dessa ideia, os componentes das escolas de samba começaram a
criar um ritmo em que se dançava para frente, diferente dos sambas anteriores
que eram parados e dançados apenas em “rodinhas”.
O termo que antes era usado
apenas para definir eventos festivos no começo do século, concretizou-se a
partir do momento em que pessoas de várias classes e culturas diferenciadas se
reuniam para realizar os seus supostos “sambas” em uma das casas mais famosas do
Rio de Janeiro, a casa de Hilária Batista da Silva, conhecida como Tia Ciata,
considerada por muitos, uma das grandes influenciadoras do samba carioca. Por
conta disso, há quem diga que as rodas de samba praticadas em outros estados,
junto com os seus compositores e intérpretes, são meras reproduções cariocas.
Para quebrar esse
paradigma, alguns sambistas sentiram a necessidade de divulgar o que é de fato
autoral, relacionado ao samba pernambucano. Foi assim que há 7 anos surgiu a
Mesa de Samba Autoral de Pernambuco, composta por Paulo Perdigão, Neguinho da
Samarina, Rui Ribeiro, Tadeu Jr. e Selma do Samba. Segundo Rui Ribeiro, para
participar da roda, a pessoa deve ter uma história de compromisso com o samba.
“É fundamental que os participantes da Mesa tenham uma produção própria de
sambas e um pensamento solidário e horizontal”, diz o músico.
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Foto: Joás
Benedito |
Considerada um
coletivo, a “Mesa de Samba”, com seus integrantes, carrega a missão de difundir
os sambas autorais do grupo e dos apreciadores, fortalecendo a defesa da autoria
musical de cada um. “Já tivemos momentos que não eram assim. Prevalecia muito o
individual e a minha ideia sempre foi a de reunir várias pessoas em um projeto”,
afirma Paulo relembrando um dos motivos que o incentivaram a formar o grupo,
referindo-se também a alguns integrantes que passaram pela Mesa e que hoje
decidiram seguir a carreira individualmente. Os componentes também alegam que a
Mesa de Samba tem contribuído de forma positiva com o Estado e o trabalho é
reconhecido lá fora fazendo conexões com outros músicos.
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Foto: Joás
Benedito |
Com o passar do tempo,
o samba autoral vai conquistando diversos artistas locais que, de certa forma,
lutam para que o Estado possa ser também uma referência. O trabalho coletivo com
princípios e ideais comuns colabora para a criação de novos espaços que
fortalecem o conceito do gênero musical como um meio de organização social. A
exemplo disso temos uma das escolas mais antigas do Recife, a Escola de Samba
Gigante do Samba – fundada em 1942 – que todos os anos disponibiliza aulas de
música para crianças a partir dos 6 anos de idade. Para os sambistas e
integrantes da Escola, Belo Xis e Luiz de Oliveira, junto com Hilton de Oliveira
e Manuelzinho da Gigante, o gênero samba está cada vez mais conectado ao Estado
e sempre terá a interação dos músicos com as comunidades, independentemente da
localidade.
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Foto:
Divulgação |
Em contrapartida, cantores,
compositores e intérpretes locais relatam essa ligação com o gênero como “vinda
de berço”, influenciados por algum ente familiar ou amigo. Como não poderia
ficar de fora, a ala feminina também marca presença nesse trajeto musical. A
cantora Karynna Spinelli acredita que essa sua ligação com o samba vem desde que
estava na barriga de sua mãe, embalada pelas composições de Beth Carvalho, Clara
Nunes, entre outros que segundo ela fizeram parte do seu repertório musical
quando criança. Ainda segundo a cantora, o gênero é uma forma de vida que deixa
o indivíduo em estado de felicidade. “O samba te deixa mais feliz,
mais ‘gente’... Mas o samba para mim hoje é uma bandeira, uma devoção e um
compromisso”, reforçando a ideia de que Pernambuco tem uma história influenciada
pelo samba.
Karina ainda fala que é a favor
da música autoral e não tem nada contra o fato de interpretar as composições de
outro compositor. “Não podemos querer que cantem nossas músicas se não
cantamos as dos outros compositores. Acho que precisamos continuar nos
articulando para que nossas músicas toquem e que as pessoas passem a
conhecê-la”, relata.
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Foto: Divulgação |
Percussionista e
intérprete, Gerlane Lops afirma que as composições vão surgindo naturalmente,
deixando-a lisonjeada por dividir seus trabalhos nos palcos com sambistas e
intérpretes que vivem para o samba. “Hoje, tenho o privilégio de dividir palco
com o Belo Xis, um cara que vive nessa área do samba há tanto tempo e com
compositores que têm mais de 500 composições como dona Selma do Samba, que é um
doce de pessoa”, afirma. A cantora já tem 15 anos de carreira e realizou shows
voltados para o gênero “sambístico” na divulgação do CD Gerlane
Lops “Da Branca”, que reúne músicas autorais com clássicos do samba
e relembrando canções e interpretações de grandes mestres, como Paulinho da Viola, Chico Buarque, Clara Nunes,
além de canções de compositores pernambucanos, como
Ingratidão, de Isaias do Cavaco, e A Mesma Rosa
Amarela, de Capiba.
Outra
dama do samba pernambucano é a cantora, compositora e instrumentista Adryana BB,
que teve sua ligação com o samba no tempo em que morou no Rio de Janeiro. Para
Adryana, a tradição do samba pernambucano já está consolidada, através das rodas
nos morros e nas escolas de samba. “Muita gente sempre fez rodas de samba nos morros e
não tinha oportunidade de mídia, por ser mais difícil de divulgar algo
antigamente. Hoje, o samba de Pernambuco se renova com força total e definitiva
produzindo artistas e compositores de qualidade mundial”, afirma.
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Foto: Val
Lima |
No cenário musical,
há momentos em que se confunde o pagode com o samba e se cria uma dúvida se o
público realmente sabe do que se trata cada gênero. Quando indagada sobre essa questão, Adryana
explica que a força do pagode é relevante perante a mídia nacional, e chega
naturalmente às diversas classes, porém “o samba nasce do povão”. Para ela, as
pessoas sabem a diferença, o que falta são condições semelhantes às
superproduções que são feitas em torno do pagode. O samba pernambucano apresenta
riquezas e diretrizes que refletem toda a sua força multicultural, afinal, em
cada Estado onde o gênero se manifesta, ele ressalta elementos e características
próprias, como aqui em Pernambuco onde há elementos da música afro.
Nessa
vertente, o samba pernambucano também se depara com o cantor e compositor Jorge
Riba. Criado no Morro da Conceição, o músico vem há mais de 30 anos se dedicando
ao desenvolvimento e reconhecimento da cultura afrodescendente. Ex-integrante da Mesa
de Samba Autoral de Pernambuco, fundador dos primeiros afoxés do Recife –
principal incentivador da criação de blocos afros e afoxés do Estado – Jorge
trouxe de volta, aos mais esquecidos, a beleza da composição de um verdadeiro
samba de raiz. Seu Riba, como é conhecido, é responsável pela reunião de várias
rodas de samba tanto em Olinda quanto no Recife, onde reinam a tradição da velha
guarda desse gênero, que agrada a todos.
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Foto:
Divulgação |
Independentemente de sua origem, o samba vai
compondo uma linguagem própria, criando laços entre diversos personagens com
diferentes histórias e estilos de vida, mostrando que ele é, de fato, vivenciado
em conjunto, ou seja, sem fazer distinção de classe, idade, cor ou raça.
Serviço:
Roda de Samba
Autoral
Sábados das 18h às 21h – A cada 15 dias
Local: Bar Livraria Exposição Almanaque, em
Olinda.
Aniversário da Mesa de Samba Autoral de
Pernambuco
Clube Atlântico, em
Olinda.
28 13h às 18h
Para mais
informações: